Saída de casa às 6h de 31 de Julho de 2007.

Partida na Junta no Maputo às 7h20.

Mário dava pancada aos vendedores que entravam no machibombo. Alguém mais queria entrar e viajar connosco, mas sem bilhete. Eis que Mário “Maning Big”, o pôs a andar. Mesmo à saída, mais uma explosão que se ouve pelos lados do paiol. Soubemos mais tarde que morreram 5 militares, na terceira explosão, apenas neste ano.

O carro afinal não era directo, pois parava em todas as estações e apeadeiros, e, se se ouvia “estou a pedir boleia”, ora “vem lá”, cabia sempre mais um.

Viajavam perto de nós duas crianças: a Celina de 11 anos e o Eddy de 18 meses que estava adoentado e que acabou por vomitar no vizinho frente.

Em todas as paragens, o machibombo era assaltado por vendedores de toda a espécie… castanha de caju, tangerina, água, refrescos, ovos, giros (carregamentos da Mcel, a marca do “Patrão”), papel higiénico, etc.

Depois de cerca de 4 horas, um dos pneus furou. Gabito, o nosso ágil cobrador, mudou o pneu com uma perícia digna de mecânico profissional.


Voltámos a andar em direcção ao norte. Perto de Maxixe, já de noite, notou-se que o nosso carro não tinha luzes… Parámos. Pensou-se que era um fusível… afinal, o problema era da bateria! Teríamos que esperar até ao dia seguinte por outro carro que nos interceptaria pelo caminho trazendo uma bateria nova. Instalou-se a confusão! Um grupo de passageiros (com Mário “Maning Big” à cabeça) fez uma “vaquinha” para comprar a bateria necessária. Fartaram-se de torrar a paciência ao Gabito, que ainda andava por ali e que, quando ficou farto de os aturar, deu-lhes o número do celular (vulgo, telemóvel para os mais distraídos) do condutor, que entretanto já tinha ido dormir.

Eu e a Rita ficámos alojadas numa pensão de luxo, com banho de caneco, carochas incluídas e uma televisão que servia de adorno em cima de uma bela mesa de madeira… e o Tiago, como herói, na rua para se certificar que não partiriam sem nós e que as malas se manteriam no seu lugar, em cima do machibombo.

Fomos, gentilmente, acordadas pelo “room tiago service” às 4 da manhã.

O dia foi calmo, ou melhor, estava a decorrer calmamente, sem grandes confusões e peripécias, até que Eddy, o nosso pequeno companheiro de viagem, doente que estava, não teve outra alternativa senão utilizar o próprio machibombo como casa de banho. Temos de compreender o pequenito, são coisas que acontecem. O problema é que a mochila do Tiago foi apanhada pelo caminho…e acabou por ficar bastante malcheirosa e algo castanha. Bem…mas “não tem problema”!

Continuámos então por estrada fora. O objectivo era de nesse mesmo dia alcançar o famoso e grande rio Zambeze. Mas, além do nosso carro continuar “às escuras” e a luz do sol já se tornar escassa, o grande momento da epopeia estava ainda por acontecer…

Mário, “Maning Big”, detectou cheiro a queimado. Ora toca a encostar, mais uma vez… e lá foi Gabito ver o que se passava…Não, não era outro pneu furado! Era algo diferente…estávamos sem semi-eixo traseiro. Amigos, confesso que não percebo muito de carros e menos de mecânica, contudo, depressa percebi que não era coisa boa num carro meio lata de sardinhas, meio burro de carga (de natureza diversa, mas que por limitações de espaço no blogue, não especifico).

E estava certa. A situação era feia…mas para piorar, tínhamos todas as chaves menos a que era necessária para aqueles temíveis parafusos. A chave nº 14 (sim, nunca mais esqueço tal número) encontrava-se partida!!!

Pois, acabávamos de ficar imobilizados no meio do mato, exactamente entre a Gorungosa e o rio Zambeze. O cinismo da coisa, é que, momentos antes, os passageiros não tinham querido fazer uma pequena paragem para esticar as pernas pois estávamos em pleno território do Parque Nacional da Gorungosa. Qual o motivo? Leões e macacos “confusos”!!! Sim, estão a ler direito!!!

Eis que o nosso grande motorista teve uma ideia brilhante. Atrás de nós a alguns quilómetros vinha outro machibombo (o tal da bateria), e que por estar menos carregado, poderia levar os nossos companheiros de viagem que não tivessem carga no tejadilho. Logo, outros que já estavam pelos cabelos da viagem, mesmo com bagagem, decidiram ir também nesse carro, deixando as malas (“levantando-as” à chegada do machibombo).

O nosso camisola amarela, o motorista (ou mestre, como são chamados os condutores), do alto da sua sabedoria, informou-nos que teria que se deslocar até ao rio Zambeze para conseguir telefonar a pedir as ferramentas necessárias ao concerto da viatura, dando a garantia que voltaria no dia seguinte. E lá foi ele no segundo machibombo.

Como não queríamos deixar os valiosos pertences, ficámos de sentinelas (mais exactamente, o Tiago ficou…)

Apesar de até termos conseguido adoptar uma boa maneira de dormir no grande machibombo (ah! de nome Astronauta!!!) estávamos no meio de rigorosamente NADA! Não tínhamos água, já não tínhamos comida, nem tão pouco rede no telemóvel e digo-vos, à noite nesta altura, faz um friozinho grande por estas bandas.

Mas claro, “não tem problema!”.

O nosso motorista garantira-nos que viria num machibombo que sairia do rio às 8h00. Contávamos com ele por volta das 10h00. Apareceu às 13h00.

Abreviando a história do dia, confesso-vos que foi divertido ver a Salete e, depois, a Rita subirem ao tejadilho do carro para retirarem as suas malas…

Tínhamos já motorista, tínhamos a chave…Mas, ainda, longe de ter o problema resolvido.

Para além do semi-eixo, o rolamento estava gripado. Levou 3horas de tempo” a concertar a avaria, de uma forma que qualquer mecânico ocidental consideraria impossível: à pancada, e com um martelo emprestado por um camião que parou!!!

Chegámos, finalmente, ao prometido rio Zambeze. Sentimos logo que apesar de tudo valeu muito a pena. Tivemos um belo de um jantar numa palhota de caniço. Uma refeição quente em tanto tempo: galinha à maneira com arrozinho a fumegar e um candeeiro de petróleo a alumiar, tudo com vista directa para o rio. Que privilégio…!

Sendo noite cerrada quando lá chegámos, já não havia batelões para atravessar o rio. Mais uma noite no nosso aconchegado e perfumado machibombo!! Teríamos de esperar até as 8h00 do dia seguinte. Aproveitamos para apreciar o rio à noite, o céu, para conversar bastante.

Quando acordámos já havia agitação no cais. Os batelões estavam a preparar-se, muitas pessoas à espera para atravessar, muitos camiões de carga (TIR) e muitos machibombos com um aspecto tão ou mais engraçado como o nosso, tudo em 3 filas, uma para cada tipo de veículo. Para quem se lembra, parecia a grelha de partida daqueles desenhos animados “a corrida mais louca do mundo”.

Vimos o nascer do sol indescritível sobre o rio, enquanto saboreávamos um belo ricoffee quente preparado pela nossa anfitriã da noite anterior. Foi um momento delicioso.

Entrámos todos no batelão. Pessoas a pé, muitas bicicletas, camiões e camionetas tudo pronto para passar a outra margem. Lamentavelmente, nenhum crocodilo se aproximou para podermos ver… e levar o Tiago!!!

A viagem continuou. E faltava tão pouco… Como o carro estava mais vazio, o “Sr. Cobrador” tratou rapidamente de arranjar novos passageiros em apeadeiros e “estações” dos “chapas” locais, assim como, mais umas galinhas, uns sacos de farinha, até mesmo um cabritinho para o tejadilho.

A ânsia de chegar estava a ser cada vez maior… até que, finalmente, avistámos a placa tão sonhada e prometida QUELIMANE!!!

Quatro dias depois, três noites mal dormidas e ainda com a mesma roupa no corpo descemos do machibombo em solo quelimanense! Poucos segundos passaram até ouvirmos a inconfundível voz do nosso amigo Mário “Maning Big” e mais uns poucos companheiros de viagem que nos receberam como se fossemos os heróis do machibombo. Após a foto para a posteridade, chegou a famosa Lídia, a Irmã, ao volante da sua poderosa Pick Up, que nos levaria à nossa Casa Esperança!

Da esquerda para a direita: “Sr. Motorista”, “Bateria”, Salete, Mário “Maning Big”, Gabito, o “Sr. Cobrador”, Tiago, Rita, e em baixo, “Desenho animado”, o segundo condutor.

Missão cumprida. 1800 Km percorridos!

É uma experiência a repetir (por outros!!!). Mas para já, o melhor foi tomar um bom banho, vestir roupa lavada e comer o famoso, o venerado, o delicioso e muito apreciado caril de camarão feito pela D. Teodora (e claro, o arroz da Irmã Lídia!!!).

NOTA: O texto foi escrito na primeira pessoa pela Salete, pela Rita e pelo Tiago, “misturando” os seus testemunhos.

4 Responses to De Maputo a Quelimane
  1. Bem depois deste relato detalhado confesso que me ri bastante… foi sem dúvida uma aventura "para mais tarde recordar"!

    Desejo a todos a continuação de um bom trabalho e continuem a dar notícias … acreditem que é mto importante para quem fica!

    Beijinhos
    Rosarinho

  2. Mas que grane aventura,pessoal…Aqui no Maputo isso nao acontece assim…Axo que também vou dar um passeio de machimbombo pa agitar as águas…ate mais logo…:)

  3. Frederico Tomé Ribeiro 16 Janeiro, 2014 at 11:48 Responder

    grande viagem.
    espero que agora corra tudo bem.
    um abraco para eles um beijinho para elas

  4. Caros Amigos
    O relato da vossa viagem para Quelimane enquadrar-se-ia perfeitamente nos textos publicados pelo Gonçalo Cadilhe no seu livro "África acima". Longe estava eu de de imaginar que a viagem que acompanhei por telemóvel foi tão fértil em emoções e tão desgastante animicamente. Desejo que o vosso trabalho corra tão intensamente como foi vivida a vossa viagem para Quelimane.

    Durana


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