Depois de um ano de sonhos, planos e preparações a vários níveis, foi no dia 24 de Agosto de 2006 que parti rumo a Moçambique, para aí permanecer durante um ano. Não foi preciso muita coragem, como muitos de vocês poderão pensar. A coragem só é necessária quando receamos alguma coisa. Quando somos movidos por uma vontade quase incontrolável de concretizar um sonho, não é preciso coragem. O que nos motiva nada mais é do que a busca pela satisfação de necessidades e desejos pessoais, ainda que esses motivos sejam em benefício dos outros.
Foi com este espírito, aventureiro e simultaneamente solidário, que cheguei a Quelimane há cerca de dois meses atrás, com o propósito de desempenhar o papel de primeira voluntária da ATACA em campo, trabalho que tem vindo a ser desenvolvido numa casa de acolhimento de crianças, a Casa Esperança. Este é um centro que dá abrigo a rapazes que não tiveram a sorte de nascer no seio de uma família feliz. Aqui dormem (nem todos), fazem as suas refeições, estudam e brincam, fazendo desta a sua casa. Encontram aqui o lar que muitos deles nunca tiveram.
Quando aqui cheguei, a maioria dos miúdos parecia recear uma aproximação. Dominados pela timidez, ou talvez pelo medo de sofrer uma desilusão, mantinham-se afastados, como quem avalia ou põe à prova o amor de um relacionamento ainda inexistente. Aos poucos fui conquistando a confiança de cada um, para que não me julgassem como mais um adulto que os decepcionaria no futuro. Hoje confiam em mim, respeitam-me e recorrem à tia Bárbara para fazer trabalhos escolares, ler histórias, pedir curativos ou concursos da tabuada. Estes pedidos nem sempre expressam as suas vontades, sendo muitas vezes o reflexo de uma carência de atenção, patente nos seus olhares.
Uma das minhas principais funções na casa é ajudá-los a estudar, dando-lhes explicações das mais variadas disciplinas, essencialmente aos adolescentes. Com atenção ouvem as minhas palavras e colocam questões, muitas delas respeitantes a assuntos que nada têm a ver com a matéria escolar, mas que passeiam nas suas cabecinhas à procura de uma resposta não encontrada. “O que é uma pessoa orgulhosa?”,“Porque é que os pretos morrem mais cedo do que os brancos?”, “O que é um homem panaca?”, “Como é que se formam os bebés?”, “O que é um homossexual?”, são algumas das perguntas a que procuro dar resposta para elucidar os pensamentos dos mais interessados.
Nos tempos livres jogam futebol, brincam ao berlinde, lêem livros de histórias se eu estiver por perto, trabalham na machamba* ou fazem jardinagem. Actividades e trabalhos que enriquecem diariamente a sua formação.
No silêncio da noite, muitas vezes ouço risadas provenientes das camaratas onde dormem. Parecem felizes. Serão? Tenho esperança que sim, mas sei que por detrás destes sorrisos, encontram-se escondidas lembranças ansiosas por pertencerem ao passado, mas que nunca serão esquecidas.
Bárbara Janson Rodrigues
*Terreno agrícola para produção familiar.