São 14h00. Hoje é sábado, dia 18. Depois de ter finalmente chegado a Maxixe, vejo-me sentado numa esplanada com o Dadinho, o Amílcar e 2 dos seus muitos irmãos. A ocasião é especial, às 15h00 joga o Costa do Sol com transmissão em directo na TVM. O Amílcar, fervoroso adepto do Costa do Sol (e do Benfica!!!), fala pelos cotovelos em como o Costa vai esmagar o Ferroviário da Beira. Olho à volta e não vejo televisão nenhuma. À minha frente está uma árvore. Um olhar mais atento revela uma tomada cravada na árvore… espero para ver o que vai acontecer. A 2M vai já a meio, faz muito calor.
Um senhor de alguma idade empurra uma espécie de carrinho de rodas de hotel, com uma televisão em cima, ligando o aparelho à árvore. Sintoniza a TVM, o jogo tem já 2 minutos o que origina os protestos divertidos da assistência. Percebo que os adeptos estão empatados em número, dada a proximidade com a Beira. O Costa, esse velho “Benfica” do Maputo, tem adeptos em todo o lado (até em Marte com acontece com o SLB!!! Hehehe).
O jogo esta aborrecido. Acabo por me distrair e reparar nas minha unhas… pretas! Sorrio. Foram mais 4 dias de viagem de machibombo entre Milange, pequena cidade colada ao Malawi, e Maxixe. Mais uma vez, os atrasos, as avarias e outras peripécias fizeram-me atrasar. Não consegui sequer chegar ao Chimoio onde tinha ficado de visitar a Irmã Marta e a sua nova obra para crianças. Já estava dois atrasado e se fizesse o desvio, não encontraria o grupo de voluntários de Maputo que haviam ido passar o fim de semana à praia do Tofo em Inhambane, a poucos kms de Maxixe.
O Costa do Sol marca golo. Os adeptos festejam para logo de seguida protestarem contra o árbitro. Golo anulado por fora de jogo. A repetição não é elucidativa, logo o árbitro passa a bombo da festa… faz lembrar os cafés de Portugal…
O Amílcar está desolado. Afirma que o Costa tem um golo por jogo anulado. É o “apito amarelo”!!!
Questiono-me o que estarão a fazer os voluntários. Provavelmente na praia. Bem que o merecem. Segundo o Amílcar, têm deixado a “pele” no trabalho. Eu também gostava. Nem tinha que ser praia, apenas água. Um banho! O meu reino por um banho!!! Podia ter pedido para me levarem directo para o Tofo, mas não quis fazer a “desfeita” aos amigos.
Chegou o intervalo. O jogo está realmente aborrecido. Pedem-me para contar as aventuras da “peregrinação”. O termo faz-me sorrir mas lá acedo. Começo pela viagem de Quelimane até Mocuba.
São 6h do dia 15, quarta-feira, e espero no cruzamento da Dimac pela Irmã Lídia. Ela vai buscar uma outra sua Irmã e dá-me boleia. Como ela está sempre acelerada, fui uns minutos mais cedo para ela não esperar, esquecendo-me dos cigarros. Os minutos passam… nem Lídia, nem GT`s. As bicicletas começam a multiplicar-se em direcção à cidade. Finalmente, aparece um vendedor ambulante com uma caixa enorme de produtos. Chamo-o e faço a pergunta da praxe. “ GT tá a quanto?”. O rapaz, olhando meio desconfiado para mim diz “Tá a 30”. Preço de branco, pois. 10 segundos chegam para lhe fazer perceber que não sou turista. Fico com o maço a 15 meticais. No fundo da estrada surge uma carrinha Nissan. Não é a Lídia, a dela é verde, esta é creme. Acendo o cigarro, dou duas passas, e a carrinha para à minha frente. Afinal! Lídia tem carro novo!!! Vem acompanhada de uma Irmã, antiga Provincial das irmãs Dominicanas, da Srª Morais e de mais um rapaz. E eu a pensar que íamos apenas os 2! Precisava daquele tempo para uma conversa!!! Sento-me no banco de trás… começa a viagem…
Conversas sobre a paisagem da Zambézia, dos buracos de Quelimane, dos vendedores de carvão com que nos vamos cruzando na estrada. Fazem 50km de bicicleta de Nicoadala até Quelimane. São quase 7h e questionamo-nos a que horas terão partido. Os sacos pesam e são vários os que se amontoam carregados pela bicicleta. A Srª Morais entusiasmada, quer mostrar a sua Quinta que fica logo à saída de Nicoadala. Fala da produção dos 15000 pés de ananás e, surpreendentemente da dificuldade de os colocar no mercado. A maioria são para oferecer a amigos, hospitais e lares de crianças… “olha, olha! É esta aqui”. Realmente, um terreno bonito com os pés de ananás todos alinhados… e arame farpado a toda a volta…
Uns quilómetros à frente, um Toyota mostra como se faz uma curva contra a mão, direitinho a nós… Lídia berra e o Toyota volta à sua mão. Afinal, voz de freira ainda é divina (qual Vítor Baía a desviar a bola apenas com os olhos!!!).
Chegados a Mocuba seguimos direitinhos para o Seminário Franciscano. Lá, estava já a outra Nissan, igualzinha à nossa (que era da Srª Morais, e não da Lídia), das Irmãs Dominicanas. Tinha chegado de Milange para trazer a Irmã Isabel, companheira de luta na Casa Esperança. Julgava que não a conhecia. Ele faz-me recordar que já nos havíamos encontrado em 2003 em Lisboa… Viajou também nessa carro, a “outra” Irmã Lídia, prima da primeira. Mulher robusta como a prima, quais sargentos das forças especiais. Convidam-me para o mata-bicho. Mas eu lá consigo dizer que não? No meio, palavras soltas com a Irmã Isabel sobre a Bárbara. Aquela rapariga causou uma excelente impressão em toda a gente com quem contactou. Não sei porquê, fiquei orgulhoso…
No meio das despedidas um camaleão surge entre mim e a Lídia número um. Nunca tínhamos visto um ao vivo. O bicharoco era engraçado e daltónico. Tentava disfarçar-se de cimento mas o melhor que conseguia era um verde alface. Apesar dos seu movimentos lentos, desapareceu enquanto eu e a Lídia nos despedíamos…
Chamam-me ao carro onde sou apresentado ao condutor, Frei Samuel, franciscano… e humorista em part-time…
Seguimos para Milange…
O jogo recomeça. Enquanto o Amílcar se levanta da mesa para uma rápida visita ao WC, eu brinco com ele e digo que o Ferroviário vai marcar. Ele responde com um “nada!”. Quando volta, o Ferroviário está a ganhar… Amílcar remete-se ao silêncio. Os adeptos do Costa estão todos calados. Os do Ferroviário falam em dialecto… não preciso de saber dialecto para perceber o “baile” que estão a dar…
O Costa toma conta do jogo. Podem marcar 4 ou 5 golos mas na baliza do Ferroviário, mora Julinho, um guarda redes com lugar no Benfica!!! Diz o Amílcar, claro! Que fenómeno!!! Faz defesas impossíveis! Pergunto se é mesmo bom guarda redes. “Sorte”, respondem-me. O jogo da carreira do homem. África tem destas coisas, neste dia, eu podia ser promovido a curandeiro. Novamente, Amílcar levanta-se da mesa. Eu brinco a dizer que quando voltar está empatado… 2 minutos depois, Amílcar senta-se, e vê o seu Costa do Sol empatar aos 92 minutos! É a festa dos adeptos do Costa. Os outros, ficam felizes com o empate… De qualquer forma, e sendo eu neutro, acho um piadão aos festejos. Juntos na diferença.
Hora de pagar a conta e ir ao reencontro dos companheiros na praia do Tofo.
É já noite. Deixamos um dos irmãos em casa. Vamos a caminho de casa do outro. Falam-me em ir ver a casa do falecido Pai. Claro, aceito a honra. Saímos da estrada e entramos no mato. Na ausência de estrada, qualquer caminho serve para a Toyota da Cooperação Portuguesa. Uma rápida voltinha serve para me mostrarem a casa e voltar logo para trás. Está a ficar tarde. O outro irmão fica logo ali, também em sua casa. Não podemos partir sem conhecer a família toda… sinto-me estranho ao tentar identificar as dificuldades de viver ali, tão perto de Maxixe e Inhambane, mas em energia nem água… a vida não é fácil para estes lados…
Seguimos caminhos para o Tofo…
Tiago Ribeiro