E eis-nos em Pemba, conhecida pelas magníficas praias e o bom tempo.
Pois é, mais uma viagem de machibombo até Nampula, mais uma noite em pensão com banho a balde, mais uma etapa até Pemba, numa paisagem diferente da Zambézia que se tornou a “nossa” província: agora somos apresentadas como as da Zambézia!
Estamos em Cabo Delgado, norte de Moçambique, e sim, roam-se de inveja, as praias são mesmo como aparecem na internet!
Trocámos os coqueiros pelos embondeiros, a chuva pelo sol, os meninos mais crescidos pelos mais pequeninos. São tão pequeninos!!!
É muito engraçado chegar às escolinhas e ter um coro bem ensaiado a dizer “Bom dia, visitas!, bom dia, tio Diabo!” Depois ouvimos as músicas (que nos lembram a tia Lali…) e depois…trabalho. Claro que há sempre tempo para um colo e um mimo destes meninos tão pequeninos que nos encantam só com sorrisos e mãozinhas que se estendem mal lançamos um olhar.
Entre visitas a escolas e conversas com mamãs e monitoras para sabermos tudo dos pequeninos, começa a surgir a vontade de reter aquilo que vamos levar na mala: os sons, os cheiros, as cores de África.
Vento nas folhas de coqueiro que lembram a nossa casa, na Zambézia, som misturado com risos e choro de meninos e vassouras a varrer o pátio e correrias com o Odileka. Vento nas casuarinas a lembrar Zalala, a praia sem fim, mas desta vez em Murrebué, a ver as mulheres que pescam com redes coloridas e riem e falam em Macua…”não entendo, mamã, sou machuabo!” e “até manguana” agora é “pacamelo”.
Vento nos vidros do chapa ou do machibombo, na volta do pequeno paraíso que é Ocua, enquanto se faz um silêncio de sono e resignação do tempo que vai passando por nós devagar, mas sempre a contar nos ponteiros…poeira vermelha no caminho.
Ocua pode realmente ser chamada “o descanso do guerreiro”. Começa com a recepção calorosa das leigas da Boa Nova: Mila, Conceição e Carmo. Estas senhoras com “S” grande são verdadeiras anfitriãs: recebem com simpatia, com pão fresco feito no forno do quintal onde dorme Chico, a gata com nome ao contrário, com conversa agradável e acordar com salto da cama: “Meninas, estão a perder um nascer do sol fantástico!” Ah, se a Conceição soubesse do meu acordar difícil…mas até me portei bem!
E ela tem razão. O nascer e o pôr-do-sol em Ocua são espectáculos a não perder, todos os dias diferentes com nuvens e cores de assombro pela beleza que se nos é dada assim, de graça…
Som dos pássaros de Ocua, das cantigas das crianças, dos morcegos que mais uma vez nos levam a Quelimane e aos fins de tarde em que se pode ver estes voadores a atravessar o Bons Sinais para Inhassunge. Sons dos cães que não nos deixam dormir (estamos a dormir no quarto do dono, por isso a Lassie e o Pastor ladram na nossa janela), dos batuques que tocam na aldeia, das mamãs que passam com os jarricans e baldes à cabeça para ir ao poço. Há sempre alguém a passar no pátio da casa “Bom dia, bom dia!”. E finalmente sou compreendida porque bom dia é qualquer hora do dia, então!
Sons das crianças que fogem da Mila quando tentam roubar as mangas que são tão pequenas ainda que quase não se vêem! Som da noite profunda quando finalmente sossega o monstro gerador e se faz escuro na varanda dos sonhos. Mil estrelas e recordações do tempo dos pirilampos que está para vir. A Via Láctea grande, imensa.
De volta Pemba, cheiros das casas, mandioca, terra queimada, laranja e tangerina, tomate e galinhas e tudo o mais que se compra da janela do chapa.
De volta às escolinhas, aulas de ginástica improvisadas, costas desfeitas do tio Tiago que vai carregando um e outro enquanto esperamos as mamãs, canções e mais canções, olhos abertos de espanto e análise profunda de tudo: as minhas unhas pintadas são motivo de intriga!
De manhã, depois de escolinhas e para acordar, café no Sr. Armando. A Sami já sabe, o Tiago quer logo dois, o da Sara é cheio, o P. Luís gosta de pregar (!!); tudo isto enquanto o Sr. Armando, ora com os papéis na mão, ora a resmungar com a impressora, lá vai contando as novidades da terra ou uma história de que se lembra de outros tempos da sua Porto Amélia. E há sempre alguém que se lembra que uma francesinha logo é que era…
E depois do trabalho, às vezes, a nossa amiga Ester que tem sempre uma paciência de voluntária para com os voluntários, passa na igreja a levar a malta tomar café no Dolphin, onde a Isabel tem sempre um sorriso e alguma coisa a dizer. “Eu gosto é de festas!” Assim é que é, amiga, boa disposição! A Ester vai ouvindo as nossas lamúrias com o seu ar tranquilo e diz sempre que não nos entende…mas entende porque como ela encontrei pouca gente na vida, aqui ou noutro lugar qualquer. Um dia rendo-me, Ester, e venho viver para a Terra do Nunca contigo. Até lá…ficas tu com o Peter Pan! E ficas tu com o sol a pôr-se na praia do Wimbi, enquanto os meninos vão passando a vender chocolates, sempre os mesmos, a rir do cansaço e da vida que levam.
Também o Mounir apareceu por cá: um amigo de Quelimane que agora está em Pemba, mas sempre a correr. É sempre um querido: telefona a perguntar se estamos bem, arranjou-me médico para as emergências, quer sempre saber se precisamos de alguma coisa. E não há má disposição quando se está com este libanês. Melhor do que tu, só o teu pai!
A Tinha, nome da gata que nos acorda na casa dos Padres da Boa Nova, vem acordar-me dos devaneios da escrita e entra a reclamar na sala da internet…que funciona quando quer para desespero de muitos…hora de acordar, de viver os últimos dias em Pemba, já perto da viagem longa para casa, primeiro a casa de Quelimane, depois a casa da mamã, em Portugal.
Até breve para uns e beijos de despedida para outros.
Paula e Sara (Pemba)