A propósito de uma reportagem que li esta semana ficou-me esta frase: «o que tem de ser tem muita força». E, de facto, estas quatro voluntárias não vieram cá para ver se «vai dar ou pode ser», cá pra’ mim isto «ou vai ou racha»!

Por cá chamam-me Tia Bambucha, sou eu que faço a sopa que, como diz a Patrícia, quase que iguala o calor que se sente em África, e também sou eu que as ponho a fazer abdominais ao ar livre com o céu estrelado. De resto, descobri que sou a única que tem jeito (ou secalhar sou a única que não salta para cima da cadeira se vê um crustáceo a mexer) para lidar com cozinhados do tipo «vivo antes da panela a ferver» como é o caso do nosso amigo caranguejo, que sim querem ver que aqui eles vêm mesmo com as patinhas amarradas! Como acredito que na vida as coisas fazem tão mais sentido quanto as vivermos de perto e com alma, devo dizer que esta experiência com as restantes três voluntárias tem sido uma agradável surpresa. Todas com o seu feitio e carácter distintos, mas com um propósito em comum: tirar o maior proveito possível daquilo que se vive no dia-a-dia para poder relatar-vos da forma mais fiel o que aqui se sente. E não são só os «150º diários», o choque físico e mental iniciais, a realidade distinta – é que parece me doloroso para uma mãe ou um pai trazerem uma criança ao mundo para a seguir vê-la ser abandonada ao seu futuro. E como qualquer criança deste mundo, estas têm necessidades que também desejam satisfazer, sonhos que gostavam de realizar e muitas perguntas para fazer. Perguntava-me ontem um deles: « tia, o que é que tia Marta ganha por fumar?». «Nada, só perde», respondi-lhe eu. Não se iludam, nesta terra não falta gente muito observadora e com grande inteligência. Até mesmo se andarem descalços, com roupa em 2ª mão e tiverem aulas dentro de um tolde de palha sentados no chão. É que falamos de uma realidade diferente mas não tão diferente assim. É uma realidade que choca mas, em muitos casos, é também uma realidade a que não estamos habituados e que portanto estranhamos da ponta do cabelo à ponta dos pés. E a boa gente que esta terra tão bonita tem não precisa que tenhamos pena deles, precisa antes que os ajudemos a criar condições para se poderem desenvolver porque ter a oportunidade de estudar e absorver conhecimento é um privilégio que não podem deixar escapar.

Estas duas semanas que passaram têm sido intensas, de adaptação local, de explicações, de brincadeiras e convívio principalmente com os internos da Casa e vizinhos. A partir de segunda-feira, e durante as semanas que se seguem, vamos estar mais de perto com os externos e as mamãs. Portanto preparem-se porque no próximo blog já vamos ter muito que contar!

E, já agora, deixem-me terminar com uma frase de Hermann Hesse do livro Siddartha, porque ao citar as palavras dele sinto-as aqui tal como ele as descreve: «podemos mendigar amor, comprá-lo, recebe-lo de oferta, encontrá-lo na rua mas nunca roubá-lo». Tudo o que aqui vivemos é genuíno!

2 Responses to the world is on fire
  1. Fantásticos os relatos da vossa experiência! para quem como eu está a quilómetros de distância, é possivel quase sentir o calor, os odores…e também a alegria e a determinação que manifestam em "ajudar" a crescer e a desenvolver todas essas pessoas… Um grande abraço e continuem com esse entusiasmo! Eu irei seguindo tão perto quanto possível.
    Helena Teles de Castro

  2. Portanto, ha' que dar valor ao que se "tem" enquanto se "tem"… nao depois…
    e
    ao mesmo tempo saber(ou aprender a) "saborear" a passagem do tempo…

    Podemos apreender estas duas frases em qualquer espaco ou tempo, mas sinto me inclinado a escrever quem em Africa regressa-se 'as raizes com mais naturalidade…

    Parabens Ataca!! e continuem a vossa partilha com o mundo!!!

    Vasco


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