Este será sem dúvida o relato mais difícil que tive de fazer algum dia aqui em Moçambique.
Os meus últimos dias deram-me um crescimento e uma consciencialização ainda maior deste país, destas famílias, deste povo.
A minha viagem a Ocua encheu-me de coragem e acima de tudo de amor. Um amor ao próximo ainda maior.
A viagem não foi fácil.. Tive um grande companheiro comigo, o Evaristo que me apoiou muito para que o cansaço e o medo do desconhecido não me invadissem.

Às 4h da manhã o machibombo partiu, deixando para trás Quelimane, a minha casa, rumo a novas paisagens, novas pessoas, novo dialecto e um novo projecto que até à data era para mim desconhecido.
Às 14 horas chegámos em Nampula. Nas minhas anteriores missões, tinha vindo sempre para Quelimane de machibombo, passando pelas diversas províncias deste gigantesco país. Mas a norte da Zambézia era um segredo e um mistério para mim que estaria a pouco de se revelar. Chegados a Nampula não sabíamos para onde ir nem como. Apanhámos o primeiro chapa que nos surgiu e que tinha como rumo o Namialo. Chegados a Namialo, mandaram-nos pedir boleia a um camião que iria a Namapa. Em Namapa já estaríamos perto da fronteira que nos levaria à província de Cabo Delgado, onde fica a Missão de Ocua. Aí finalmente consegui apanhar rede para falar à Irmã Mila. Logo ela me indicou estar no caminho certo, ufa que alívio, que me sossegou dizendo que me esperaria em Namapa. Já perto do destino o camião onde seguiamos de boleia avariou. Mais um longos momentos já noite de espera para conseguir boleia de um outro que passá-se. Mais um simpático senhor encostou o seu camião e nos levou direitos a Namapa. Quando os meus olhos viram a Irmã Mila nem queriam acreditar! Que festa que fizemos ali por finalmente nos encontrar-mos, nos conhecer-mos. O meu corpo pedia desesperadamente um banho, comida e cama. Senti-me a ficar velha para estas aventuras. Fomos recebidos na Missão de Ocua pela outra Irmã, a São, e ambas foram extremamente estupendas connosco. Estavam de braços abertos à nossa espera.À espera da ATACA.
A missão de Ocua fica mesmo no mato, perto da estrada que depois segue para o Chiúre e dai a Pemba.
O meu coração ficou animado quando ao amanhecer abri os olhos e vi que estava rodeada de enormes e gigantes embondeiros!

O local da missão tem natureza virgem, bonita. É um local quase mágico e tão diferente do resto que conheço de Moçambique. Este país surpreende-nos constantemente. Quando sai da cama já tinha um mata-bicho preparado que me soube como nunca! Vi a casa das irmãs, as suas criações de galinhas, de coelhos, cabritos. É inacreditável a obra delas.
Começamos a ouvir os meninos a chegar à escola por volta das 6h30m.O dialecto, o Macua é muito complicado e só os que já estão na escola primária conseguem dizer algumas coisas em Português.
Quando chegam primeiro brincam com os monitores uns minutos. De seguida todos lavam as mãos e colocam os seus bibes. Cantam o hino na perfeição.
De seguida é hora de trabalho. Entram para as suas salas. Uma dos 4 anos e outra dos 5 anos. Aí aprendem muitas coisas! As salas estão cobertas com os seus trabalhinhos e cada um deles tem a sua pastinha onde coloca aquilo que vão fazendo durante o ano.
Quando nos vêm, agarram-se de imediato a nós! Enchem-nos de carinho e literalmente saltam para as nossas pernas como formigas a treparem por nós acima.
Fazem duas refeições. A comida é deixada adiantada pelas irmãs, e depois uma cozinheira termina-a. Têm um refeitório e comportam-se lindamente.
Enquanto tudo isto acontece, do outro lado da missão, na Casa das Irmãs a vida continua. Constantemente batem à porta. Animadores, párocos, mamãs, todos vêm perguntar algo, informar algo, tratar algo com as Irmãs. Do outro lado da Casa fica um posto médico, construído pela APARF, que tem um socorrista que apoia todas aquelas aldeias ao redor da Missão. O Hospital fica longe, e quando há casos mais graves são as próprias Irmãs que transportam os doentes no seu carro. E digo-vos, já muitas crianças nasceram naquele carro, porque quando tem de ser não dá para esperar.
Além de tudo isto, as Irmãs têm ainda um Projecto de Crianças de Leite.

Apoiam as mamãs que não podem desde logo amamentar, por diversos factores. Dão leite para os bebés, para as próprias mães. Tratam-nas no banco de socorro e constroem biberões com o que há para que aquelas crianças tenham alimento.
São crianças muito felizes alegres, rodeadas de um ambiente saudável.
À tarde, é a vez dos mais crescido, que já tiveram escola de manhã, e que aqui vêm comer, brincar e reforçar a matéria aprendida na escola da parte da manhã. É notável o trabalho elaborado nesta Missão, ao todo com 89 crianças e duas Irmãs apenas, para coordenarem, ajudarem, educarem, transformarem. Foi um autêntico poço de inspiração para mim como voluntária a dedicação que elas têm. O amor que têm para dar. E com já muitos anos de missionarismo para trás. A maioria no Maranhão, no Brasil profundo.
Aprendi tanto mas tanto. A forma como trabalham em equipa, a forma como utilizam os recursos da ATACA, a forma como nos receberam.
Nada disto é possível de descrever na perfeição em palavras. Além disto posso vos dizer que irmã São faz um pudim….huummm não há descrição. E ainda por cima fazem pão no forno a lenha. Que paraíso. Eu e o Evaristo trabalhámos o mais que pudemos para aproveitar os dias que lá estaríamos. Estávamos ansiosos para entregar as cartas às crianças dos seus padrinhos. Mesmo sendo tão pequeninos perceberam muito bem, depois de traduzido no seu dialecto a principal mensagem que lhes era levada de Portugal. E ficaram muito felizes. Foi muito agradável passar a Páscoa com os nossos meninos de Ocua, rodeados de amor, carinho e esperança.

No regresso, as Irmãs, foram fantásticas e levaram-nos de boleia para Nampula para ficar mais fácil a nossa viagem de regresso. A verdade é que metade do meu coração ficou lá. A outra metade ansiava por chegar a Quelimane, a casa, aos meus meninos, às minhas voluntárias. E foi uma chegada em grande, depois de mais uma longa viagem, a tempo de comemorar com as meninas e as tias o dia da mulher moçambicana!
Mais uma vez, a todos os tutores o meu muito obrigada por transformarem a vida destes meninos! Sei que a minha descrição não é suficiente para que percebam a diferença que estão a fazer a pequenos mundos. Mas acreditem em mim que estamos verdadeiramente JUNTOS.

RITA

One Response to Outro sítio a que chamo CASA
  1. Rita, ainda dizes que não consegues descrever na perfeição? Ora essa, com mais vontade de ir a Ocua não podemos ficar. É fantástico perceber que o nosso trabalho imapacta de forma tão positiva, e é alavancado com tanta qualidade pelas Irmãs de Ocua! Parabéns pela descrição, parabéns a ti e ao Evaristo e claro um parabéns especial às Irmãs.
    Miguel F.


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