Os meninos da Casa Esperança

Durante estes últimos tempos temos vindo a conhecer melhor os meninos da Casa Esperança. Com os mais velhos temos tido conversas interessantes onde se notam, não só as diferentes personalidades, mas também algumas diferenças culturais entre nós. No outro dia estiveram-nos a contar sobre os feiticeiros, a encarnação do mal por cá. São normalmente idosos (ou idosas) que voam à noite em peneiras. Sim, peneiras, aquelas que se usam para peneirar o milho. Lançam feitiços e maldições que prometem morte a quem os desafia. Contavam isto num misto de entusiasmo e receio:
“É memo verdadí Tios!”
“Mas tu já viste eles a voarem?”
“Ainda [não]. Mas já ouvi contar! E há ‘pexe’ que fala inglês!”
“Oh!”
“Éhhhh. Foi feiticeiro que fez magia e ‘pexe’ começou falar inglês!”
“Ouviste o peixe?”
“Naaada [, não ouvi]!Mas disseram!”
“Que côr era o peixe?”
“Azul!” – diz um.
“Naaaada [não era], era verde!”
“Vocês nem sabem que côr era!?”
“iiiiiÍÍÍÍ! – imaginem voz aguda aqui– Não vimos. Mas contaram pa nós!”

Outras histórias são menos assustadoras. Enquanto cozinhavam o jantar começa o Isac a comentar quão mal pegavam os paus que o Melo tinha arranjado.

Isac: sim sim. Isto não dá – diz enquanto tenta pegar o fogo.
Melo: Dá cá. Vai buscar mais paus. – entra no fumo, pega numa folha de um calendário para queimar.
Isac traz paus: Quem tem fome é que cozinha, devia ser assim. É como a manta, quem tem frio puxa manta.
Atanázio: Diz quem?
Isac: Diz Isaac Newton o ciêntista.
Melo com olhos vermelhos no meio do fumo a agitar uma folha para pegar brasa: Calem-se, tao-me a irritar.
Isac: É muito famoso Isaac Newton!Ciêntista.
Atanázio: Atanázio também. Na missa diz-se “Atanazieee!” – Risos.
Isac: Isaac também aparece. Tu abre qualquer biblia e “Isac” tá lá.
Melo pronto a queimar o mês de Dezembro: Calem a boca, ja me tão a irritar!

Embora não tenhamos a possibilidade de passar tanto tempo como gostariamos com os pequenos, é bom estarmos em casa a trabalhar e senti-los à nossa volta a cantar, a espernear, a gritar, a brincar, ou a varrer lá fora. É bom sair e vê-los a jogar damas (tábua com caricas), lavar roupa, regar as flores, jogar futebol, saltar o pneu, ou jogar “bilos” (berlindes). Às vezes convidam-nos e nota-se que têm gosto em nos ensinar o jogo que estão a brincar. Em suma, estamos a ficar completamente absorvidos por estes miúdos. Quem não ficaria?