6h30: Evaristo (Eva – como lhe costumamos chamar), o nosso colaborador local, chega para irmos aos bairros. O dia tem de começar bem cedo porque o calor, por volta das 10h, aperta como se fosse meio-dia. O Eva vai à frente, um de nós a pedalar, enquanto o terceiro vai no “banco” de trás da bicicleta a gritar:“ Já te disse para me avisares quando vires buracos na estrada!!!”. São estas bocas que tornam o processo de pedalar democrático, levando à eleição de um novo motorista. Dois brancos numa bicicleta é uma risota. “Táxi!Táxi!” gritam alguns a rir; aqui há taxis-bicicleta mas destes ninguém vê.
6h50: Chegamos ao bairro. Nestas últimas semanas temos estado a seleccionar novos beneficiários, o que é capaz de ser das partes mais importantes do trabalho. Isto porque, uma vez seleccionada a criança, esta fica no projecto durante anos até atingir os 18 anos ou a família chegar a um patamar de independência financeira em que é capaz de se sustentar relativamente bem. O secretário de bairro, que vive na zona e é eleito pelos moradores, começa por nos indicar quem ali mais necessita. Entramos com ele nas casas, conversamos com as famílias e vizinhos, e fazemos perguntas até ficarmos esclarecidos. “Entra” – “Não entra” – é uma decisão por vezes difícil. Isto porque a decisão pode mudar o rumo daquela família, ao mesmo tempo que pode também ocupar o lugar de uma outra pessoa que precisa ainda mais.
6h55: Entramos dentro da “casa” de uma viúva. Conta-nos que tem muitas dores no corpo e vemos que tem a cargo, não só cinco filhos, como também dois netos – filhos da sua filha mais velha que faleceu há um ano, juntamente com o marido. A “casa” onde dormem não tem paredes, tem somente paus espetados na terra, mais para delimitarem o que é dentro e o que é fora, porque o vento, mosquitos e areia entram de qualquer maneira através das estacas que nem o interior escondem. Uma das filhas tem matacanha, um bicho nojento que se entranha nas unhas dos pés e deforma os dedos com o inchaço. A pequena anda só com os calcanhares para que não doa tanto. O hospital fica muito longe e mesmo de bicicleta o percurso é duro: não há sombras e há areia no chão como numa praia que afunda a bicicleta. São os filhos mais velhos (de 15 e 13 anos) que garantem o sustento da família com a pesca diária no rio; se não conseguem apanhar nada, então não têm o que comer.
12h00: Voltamos a casa e preparamos o almoço para os três. Conversamos sobre o que vimos e sobre o que há para fazer. Às vezes discute-se. O Eva é calmo e ri-se muito (o que ajuda), a Francisca é emotiva e o João é racional ao ponto de ser chamado de monstro. Uma boa equipa; o gargalhadas, a sofredora e o monstro.
14h00: Processamos a informação que recolhemos para enviar para Portugal; há sempre tanto trabalho para fazer que às vezes aflige. Enquanto se trabalha aparecem mamãs do projecto que nos perguntam quando as vamos visitar, outras que querem ser apoiadas. A conversa é sempre a mesma: “são os secretários de bairro que nos dizem quem precisa mamã”. A limpeza e as compras para a casa também ocupam o nosso tempo, mas não são tão interessantes de contar =).
18h30: É bom relaxar com a pequenada. Dá-se-lhes explicações e explica-se-lhes a importância do estudo. Depois uns queixam-se que lhes tiraram os berlindes, aquele bateu-lhe, este cheira-se-lhe a cabeça e ainda não tomou banho. Resolve-se – e o ciclo repete-se no dia seguinte.
19h30: Janta-se pão e leite, sopa ou batata doce.
21h30-22h: Vamos dormir. O cansaço físico é grande, mas é bom estar aqui.
Gostei do vosso relato do dia-a-dia! Vê-se que continuam cheios de força!!
A retaguarda portuguesa continua firme!
Coragem malta.
Miguel Freitas
Continuação desse trabalho tão abençoado:)
Beijinho grande aos dois!!!!
Ângela
Hoje enviamos para os nossos amigos uma história que copiamos da internet:
"Há muito tempo, houve um incêndio na floresta, todos os animais fugiram, numa corrida louca, em busca de um lugar seguro.
O elefante ia na frente, quando vê um Beija-flor a voar na direcção do incêndio.
– Beija-flor, não vás nessa direcção, a floresta está a sofrer um incêndio, devastador. -Disse o elefante.
-Tenho de ir, levo uma gota de água no bico, para apagar o incêndio.
– Uma gota de água?!Uma gota de água?!O que fazes com uma gota de água?
– Eu faço a minha parte!"
E convidámo-los a visitar o blog e a levar a sua "gota de água"…
João e Francisca vocês já levaram mais do que uma gota de água… Muito obrigada!
Vocês contam uma história tão triste neste post que não podemos deixar de nos sentir ingratas por de vez em quando pensarmos que a vida nos podia correr melhor!
Um abraço daqueles mesmo bons das para sempre agradecidas,
Sisters
Retratos do quotidiano dos atacantes moçambicanos.
Força para vocês!
Um beijo para a sofredora, abraços para o gargalhadas e para o monstro.
Muitos parabéns João e Francisca, pelo que li estão a fazer um trabalho fantástico.
A ti João muitos abraços cheios de carinho do Colorir…estamos todos orgulhosos. Mas de facto quem já conheceu o teu trabalho, não fica surpreendido com a tua dedicação.
Patrícia JCV – Matosinhos
Queridos Sofredora e Monstro:
Gostei de ver o que se pode fazer de útil durante um dia inteirinho. Admiro -vos muito. Bjs para ambos e um viva ao Gargalhas pelo dom da alegria.