Esse fruto, cai ou não?

A semana passada tive a minha primeira ida a Inhassunge, amanhã terei a segunda. É sem dúvida um sítio com maiores necessidades, as actuais são bastante precárias, mesmo assim as pessoas têm sempre um sorriso guardado para nós. Recebem-nos com esteiras e uma multidão de vizinhos surpresos com os visitantes de cor tão clara. As crianças vêm devagar e esticam o dedo ao mesmo tempo que fecham os olhos, como se ao mínimo toque nós pudéssemos explodir. Foi uma experiência fantástica, por mais cansaço que no fim possamos sentir, o espírito está consciente e repousado, o nosso trabalho é de facto enriquecedor.

Mas existe outra faceta que me faz questionar a razão de tanta pobreza. A natureza é tão rica, tão abundante, então porque não têm estas pessoas mais do que comer? Claro que pobreza não é apenas a falta de alimento, mas a sua falta não deixa de ser um indicador de pobreza, até uma própria dimensão. Por experiência própria, sempre que viajei para países subdesenvolvidos, as cidades costumavam ser os locais mais precários, onde as condições de vida abalam qualquer um. Mas nas vilas, ou locais mais pequenos, as pessoas costumam plantar, fazer criação de animais, ou seja, ter pelo menos o mínimo que comer. Podem de facto faltar apoios para a saúde, educação, mas as pessoas vão comendo. Aqui, a realidade não funciona assim. Nas cidades, menos pobreza, nos locais menos populacionais, mais. Mas então porque é que as pessoas de Inhasunge não se juntam em pequenas comunidades para tratar da terra e fazer criação de animais? A natureza certamente fornece as condições necessárias para que o esforço não seja em vão, pelo menos na maior parte das vezes. Perguntei a um senhor o que ele achava disso, porque esperavam as pessoas que tudo caísse da árvore? Ele respondeu-me que era simplesmente assim, as pessoas preferem apenas tratar da sua Machamba (pequena porção de terra cultivada). O problema disso é que nem toda a gente tem o mesmo jeito para o cultivo, e reunidos os esforços, reunidas as pessoas mais competentes para cada tipo de trabalho, acredito que o resultado final iria ser muito melhor. A criação de animais, com estes terrenos tão ricos, parece-me que não teria um sucesso menor. Com a sua cultura, o seu método de vida, as pessoas esperam demasiado pelas ofertas da mãe natureza, que as árvores e o solo lhes dêem o que necessitam. Vê-se tanta fome, mas o mesmo não deixa de ser verdade para as soluções nos locais rurais.

Combater a fome das cidades, de Moçambique, ou seja, de um ponto de vista macroeconómico, é realmente difícil, principalmente num país em que a corrupção é palpável. Combater a fome nos sítios rurais parece-me um primeiro passo essencial. Comer é uma necessidade básica, e todo o resto, trabalhar, estudar, concentrar, será de seguida mais fácil.
Sei que ainda me falta ver, aprender, mesmo assim não deixa de ser verdade que realmente me questionei sobre isto. Claro que a solução é demasiado linear, demasiado simples, mas foi de facto o meu primeiro raciocínio, ao qual eu próprio posso ser o primeiro a refutar e expor os seus problemas. Mesmo assim, todos juntos, dividindo esforços, as pequenas comunidades tão subnutridas teriam certamente mais hipóteses de sobreviver.

Duarte Guimarães

2 Responses to Esse fruto
  1. Gostei muito de ler o teu post Duarte, é sem dúvida impossível esquecer e não nos questionarmos sobre a razão de ser da pobreza que encontramos em Inhassunge. Tenho a esperança que os voluntários da ataca vão ajudar a que, aos poucos, a comunidade vá compreendendo o lema "a união faz a força".

    Beijinhos e que a vossa Missão que agora inicia corra muito bem!!
    Francisca

  2. Oláaaaaaa Duarte!

    Eis a razão porque gostamos tanto de ti :)! E de todos os jovens que a ataca envia para o terreno…. São mesmo muito especiais!

    Claro que achamos que tens muita razão – tentamos transmitir essa ideia a todos os jovens que conhecemos por aí (de quem temos muitas saudades)sempre que escrevemos uma carta coletiva para a Casa Esperança. Eles já conhecem a história "A união faz a força" e umas quantas histórias de vida das quais destacamos a de Baden Powell… Até já falamos de cooperativas, de todos contribuirem com o seu trabalho/profissão para bem da comunidade… e agora sabemos que esta ideia se irá espalhar por todas as famílias das crianças que fazem parte do projeto, pois sabemos que vocês vão tratar disso 🙂 Quem sabe os nossos jovens amiguinhos vos podem ajudar a espalhar a ideia!

    Seria uma experiência interessante verificar se a ideia de ir falando sobre o assunto teve alguma repercussão junto dos mesmos! Nós gostavamos muito que tentassem perceber isso e nos dessem feedback.

    Força! Ainda agora chegaram e já cheios de ideias!!! Se conseguirem envolver nem que seja uma única pessoa já valeu a pena… nunca se sabe se essa pessoa conquistará outra pessoa.. e outra… e outra…

    Um abraço daqueles mesmo bons para ti e para cada uma das voluntárias, para o Evaristo e o Melo, para cada uma das crianças e para a Irmã das Sisters


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