Passados 3 meses ainda não consigo responder a uma simples pergunta: “Porque é que decidi vir numa missão de voluntariado para África?”
Numa base diária, nos meus momentos de introspecção, e quando procuro respostas para esta pequena questão, cada vez mais me apercebo que as respostas não vêm sempre que são precisas, e muitas vezes ter de ficar simplesmente à espera delas é a única resposta possível…
Por aqui, e julgo não ser novidade para ninguém, as “faltas/carências” são mais do que muitas. Antes de vir para Moçambique imaginava o que me esperava, criei vários cenários e tentei ao máximo baixar as minhas expectativas com o objectivo de minimizar o choque cultural que sabia que iria viver.
Os cenários foram então criados, alguns muito negativos, outros mais positivos. As expectativas foram baixadas e as dificuldades que imaginei sentir foram aumentadas. E agora pergunto-me eu: “foram suficientes?!” Não, não foram e isto explica-se de uma forma muito simples. Imaginar e viver são duas “coisas” muito distintas. Imaginar faz-nos pensar na forma como nos iremos sentir, viver implica sentir na realidade.
Sabia antes de vir, por testemunhos de pessoas que tiveram oportunidade de estar em Moçambique, que os Moçambicanos na sua generalidade são um povo pobre, alegre, generoso, humilde e aparentemente feliz. A minha imagem do povo Moçambicano estava criada, os sentimentos que iria sentir e a forma como iria lidar com algumas situações estavam nos diversos cenários… Agora pergunto eu: “ajudou?!” Sim e não…. Actualmente mais do que nunca sei que imaginar é diferente de viver e tudo se resume a sentimentos.
Aqui diariamente sinto a generosidade das crianças/famílias do projecto, que apesar do “pouco” que têm, o “tudo” nos oferecem. Sinto a felicidade das pessoas, mesmo quando muitas vezes não sabem se no dia seguinte vão fazer alguma das refeições. Sinto que apesar de todo o cenário “negro” à sua volta ainda têm esperança em dias melhores. Sinto a gratidão face à nossa ajuda. Sinto uma gigantesca impotência ao conviver com famílias que não têm um prato para comer; que não têm uma bacia para tomar banho, que não tem água e energia, que não têm dinheiro para comprar uniformes para as crianças, e por que por este motivo estas não podem frequentar a escola. Sinto que uma criança muda o seu percurso de vida simplesmente porque engravidou aos 14 anos…
Perante tudo isto e ao contrário de tudo o que imaginava que iria sentir, sinto-me uma pessoa egoísta. “Como é que posso sentir tanta “falta” perante esta realidade que vivo diariamente?”… “Sentir falta de Internet, quando as minhas mamãs sentem falta de comida?!”… “Sentir falta de televisão quando as minhas mamãs sentem falta de energia?!”… “Sentir falta do meu quarto quando as minhas crianças nem quarto têm?!”… “Sentir falta do meu carro quando aqui as minhas mamãs e crianças caminham quilómetros para chegarem aos seus destinos?!”
Micaela Lopes*
Olá Micaela,
Gostei muito do teu blogue. Realmente "viver" é muito diferente daquilo que nos contam e imaginamos.
Espero que a tua luta diária esteja a ser uma experiência tão enriquecedora como inicialmente imaginaste.
beijinho
João
Oláaaaaa, Micaela!
Viver é de facto diferente de imaginar: é mais intenso, mais verdadeiro…
Todas as pessoas deviam ter uma experiência como a tua – talvez assim fosse possível construir um mundo menos egoista, mais justo.
Quem sabe, talvez as pessoas deixassem de ter vontade de ter um segundo carro parado na garagem, ou mais uma carteira "xpto" que só será usada uma vez por ano, ou…, enfim, bens supérfluos que não acrescentam nada à sua vida.
Quem sabe, talvez tivessem vontade e prazer em transformar esse custo em alimento, saúde, educação… para todos os seres humanos e não só, que, tal como elas, estão vivos e, tal como elas,têm necessidades fundamentais que devem ser satisfeitas para que tenham uma vida digna e respeitada…
Talvez um dia o mundo venha a ser fraternalmente partilhado por todos nós!
Nós ainda temos fé.
Um abraço daqueles mesmo bons para ti, para a Luísa e para a Raquel, para o Evaristo e o Melo, para todas as crianças da CE e para a irmã Idalina das
Sisters
Olá Micaela
Sabes tambem muitas vezes sinto no meu local de trabalho o mesmo que tu… e sinto-me sozinha, no meio de um grupo que pensa principalemnte em manter o seu status, a sua condição financeira, o seu bem estar material.
Algumas vezes digo como tu que somos uns previligiados, temos muita coisa superflua.
As minhas palavras incomodam-nos.
Mas não desisto e são pessoas como tu que pensam desta forma, que irão ajudar a mudar esta forma de pensar.
Não desistas… eu não desisto…não baixo os braços… não perco a esperança.
Um abraço
Um abraço