entrevista voluntáriasTrês voluntárias da ONG ataca … seis meses, uma missão, famílias e crianças. Três jovens contam-nos a sua experiência em Moçambique, dão-nos a conhecer um pouco daquele “mundo” perdido em África e de quem lá vive…

São senhoras de si mesmas! Corajosas, decididas, ágeis, lutadoras, havendo mais uns quantos adjetivos que lhes poderiam ser atribuídos, mas sem serem suficientes. Não mudam nem querem mudar o mundo, mas contribuem para tal. Ana Machado, Inês Pires e Márcia Oliveira, partilham lugares, pessoas, sentimentos, momentos, olhares, uma missão: AJUDAR! Fazem parte da família ataca, como gostam de tratar a Associação com a qual colaboram. Estiveram recentemente numa das tantas missões em Moçambique, organizadas por esta ONG, e partilham connosco um pouco das suas experiências. Um pouco, porque afinal “foi tudo tão intenso que é difícil traduzir em palavras”, conta-nos a Ana, voluntária na ataca desde 2013.

Tem 26 anos e desde cedo teve vontade de ir para África em missão de voluntariado. “Queria contribuir de forma positiva para um país necessitado. O desejo maior sempre recaiu em Moçambique, uma vez que a minha mãe nasceu e viveu lá e sempre foi um país muito presente”.

Inês Pires de 28 anos, também sentia uma necessidade de poder fazer parte de um projeto de cariz social. Tinha por objetivo uma missão de voluntariado: “estar integrada num projeto no qual acreditasse”. Voluntária desde 2012 da ataca, foi esta a associação em que acreditou: “a ataca desde o início me inspirou imensa confiança e interesse, levando-me a assumir o compromisso de voluntariado como parte da minha vida.”

“Aquilo que eu sinto (…) é uma enorme alegria por ter partilhado seis meses da minha vida com aquelas pessoas, e fico com a sensação que aprendi e ganhei muito mais com eles do que eles comigo!”

Márcia Oliveira, de 29 anos cruza-se com a ataca numa sessão de esclarecimento para uma missão que iria decorrer. Histórias de uma família numerosa proveniente de Moçambique, contribuíram para a decisão desta atacante em integrar a missão: “A ataca reúne tudo aquilo que procuro; identifico-me com “a missão, visão e valores” da instituição”.

O trabalho enquanto voluntárias acumula-se. Desde Milewane a Quelimane, e com paragem ainda em Inhassunge, as tarefas dividem-se entre conversas com crianças para recolha de informação; entrega de donativos às famílias apoiadas e aconselhamento sobre o uso dos mesmos; recolha de registos fotográficos; recolha de dados para avaliação nutricional; entrega de correspondência, nomeadamente cartas escritas pelos tutores e respetivas respostas, e por aí em diante… Uma missão cheia de missões…  e não esqueçamos Portugal onde, e mesmo a milhares de quilómetros de distância, estas atacantes esforçam-se para conseguir novas parcerias para apoiar a associação. Claro está que não poderia faltar o envio de toda a informação, que é feito regularmente.

Mas há também resultados que não podem ser enviados, ou mesmo partilhados. O amor, o carinho com que as crianças e famílias são tratadas, são estes os sentimentos que alimentam a coragem e força destas “heroínas”, são estes os sentimentos que fazem a diferença!

Orgulhosamente Márcia confessa: “Aquilo que eu sinto (…) é uma enorme alegria por ter partilhado seis meses da minha vida com aquelas pessoas, e fico com a sensação que aprendi e ganhei muito mais do que elas!”

“Não podemos esquecer que estávamos em África e que os recursos são escassos, e existem coisas tão simples que lá são “um bicho-de-sete-cabeças””.

Os sentimentos misturam-se, confundem-se, são demasiados, “indescritíveis”. Não lutam com o objetivo de vencer todos os problemas do mundo, mas simplesmente fazer a diferença. E fazem! Pequena, é certo, mas rica. Ana lamenta o pouco tempo de missão no terreno, sente que poderiam ter feito mais. “A realidade é que seis meses torna-se pouco “ , mas apesar de tudo, o sentimento de “dever cumprido” envolve-a, pelo menos no sentido em que fez tudo o que estava ao seu alcance, e as suas ações foram importantes e significativas. “Não podemos esquecer que estávamos em África e que os recursos são escassos, e existem coisas tão simples que lá são “um bicho-de-sete-cabeças””.

As histórias repetem-se, e um sentimento de alegria de uma missão feliz, arrasta um “travozinho “de tristeza pela ausência de uma outra família, a biológica, que não é esquecida, mas que está longe em momentos tão importantes como o Natal. Mas nem sempre a realidade é infeliz: “Era ali que eu deveria estar!”, Confessa-nos Ana, “Passar o Natal com 36 crianças órfãs, que não têm nada, uma mão que as acarinha quando estão tristes ou com algum medo, crianças que têm que viver como adultos, em que a preocupação delas não é “o que vamos receber no Natal?” mas sim “teremos comida para amanhã?”. É uma realidade muito difícil de aceitar, mas uma lição de vida e humildade.”

E são lições de vida, experiências que não ficam por aqui. Ana e Márcia partilham um Natal e uma história que jamais será esquecida.

“Marcou-me muito ver crianças com desnutrição grave e crónica que até então só tinha visto por fotografia…”

Nando, um dos meninos da Casa Esperança, tinha oito anos e adoeceu com malária. Levaram ao hospital. Estão em Africa e as condições são muitas vezes deploráveis. Era o caso do hospital onde Nando teve de ficar internado: “Um hospital que também serve de habitação a baratas (muitas por todo o lado, inclusive em cima da cama), e a ratos! Um cheiro a doença e a sujidade misturado com calor e humidade! Um hospital sem redes mosquiteiras onde somos devorados por mosquitos, que com sorte não serão vetores de malária!”. Ana relembra aquela noite partilhada com Márcia, a acompanhar o Nando e numa enfermaria cheia de crianças que dividiam as camas.

“Marcou-me muito ver crianças com desnutrição grave e crónica que até então só tinha visto em fotografia. É chocante olhar para uma criança assim e ver um fio muito fino que os liga à vida e aos pais, uns olhos negros a gritar por socorro! E os gritos de sofrimento de uma mãe que acaba de perder o seu filho…”

Dores que ficam para a vida, mas a história não é feita só de momentos tristes.

Uma outra noite foi necessária ser passada no hospital e, sem a presença da irmã responsável pela ala porque tinha adoecido, as duas atacantes tiveram de partilhar mais uma noite com o Nando, na enfermaria, no hospital… Para animar a noite, decidiram levar o computador e  um filme, o Shreck,  para o “pequeno Nando esquecer aquele cenário por algumas horas”. Márcia recorda aquele momento como se fosse hoje: ”Começamos a montar as coisas e passados poucos minutos tínhamos as pessoas do quarto, pacientes e acompanhantes ao redor da nossa cama, todos animados com o filme. (…)

Muito bom foi também ver o Nando a rir-se! Era um menino que nunca ria… nos primeiros minutos do filme (…) ele ainda tentava abafar o riso, mas depois, e para nossa alegria deixou de conseguir”. Missão cumprida…

Para estas Atacantes o voluntariado passou a fazer parte das suas vidas, a trazer alegrias e tristezas, trabalho, esforço, dedicação. Sentimentos…

Concordam que é um esforço e um trabalho realmente importante na vida destas pessoas e por isso vale a pena continuar e lutar! Porque o ser voluntário é dar e receber…

Para os novos voluntários deixam alguns conselhos, como o de assumir o compromisso com algo que passe a fazer parte das suas vidas e verem o trabalho individual como parte de um todo. Ser responsável, consciente, ter força de vontade, saber ouvir e escutar, mas acima de tudo ser realista, saber que não vão acabar com a fome ou com a miséria, mas que vão fazer a diferença. E que não falte o bom humor…

O maior e mais gostoso sorriso de todos, é este o preço de tanto trabalho e dedicação! É este o prémio de compensação e coragem que estas crianças, perdidas ou desencontradas no mundo partilham com estas atacantes heroínas… ou simplesmente humanas de bom coração…

Lúcia Amorim

Porto, Dezembro de 2014

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