Zeque…. zeque…. zeque…. zeque…. Tia Gordidinha?! Tia Sportzone?! Zeque… .zeque….

Às cinco da manhã lá começavam os sons matinais da vassourinha a limpar os caminhos à volta da casa, o ruído agradável de uma discussão infantil, de um cântico determinado, da água do banho, da impaciência da atenção das tias…

No avião, a escrever o blog, por volta das 5h30m, já estamos saudosas, a imaginar os meninos da Casa Esperança, os nossos meninos, a começar mais um dia…

Este é o momento em que, supostamente, deveríamos fazer o balanço da nossa vinda a Moçambique: ainda com a cabeça em Quelimane e a voar em direcção a Portugal!

Na segunda-feira o dia foi intenso, porque foi o último e porque queríamos levar as memórias de todos connosco: os sorrisos de uns, as brincadeiras de outros, as conversas, os sonhos, os pedidos, as questões… “as tias vão voltar?”

Estes meninos são mesmo muito especiais, são diferentes dos nossos… A vida não lhes deu como presente o apoio familiar ou o apoio de uma sociedade organizada e com leis protectoras em relação às crianças… Cedo tiveram que aprender a noção do dever,  mas também a defender-se, sem deixar, no entanto (pelo menos num ou noutro caso) de ser solidários: “tia, o chinelo rebentou…” e lá aparece um menino a emprestar os seus chinelos, para que o amigo não vá descalço à missa, porque o chinelo rebentou e as sapatilhas já não “têm muita saúde!”. É muito difícil substituir o material inutilizado, pois os recursos são limitados. “Tiramos o chapéu” a quem está a levar este “barco” para a frente, porque, apesar  dos apoios recebidos, estes não são suficientes.

Há muitos valores que a sociedade ocidental está a perder e que este meninos nos ensinaram, tais como o valor do trabalho (noção do papel e tarefas de cada um na casa), o valor do respeito (muito educados) e da noção de comunidade como um  todo (distribuição da comida  de forma igual por todos, por exemplo), a alegria de viver e o gozo com as pequenas coisas (receber uma bola para todos, comer esparguete com frango, uma ementa nova para eles, comer uma fatia de ananás, de bolo de chocolate ou um ovo cozido ou beber um copo de leite são motivos de alegria!!!)… “tia, de ontem para hoje já engordei!”

Claro que são meninos, claro que pedem coisas que as tias têm que lhes chamam mais a atenção, tal como a t-shirt da ATACA. Mas, pelo menos alguns, também têm a noção de justiça quando, na sua opinião, acham que esta deveria ser dada por direito ao mano mais velho, que ainda não tem nenhuma e que ainda por cima se porta sempre bem…

Também têm os seus sonhos e foi por isso que um dos meninos da casa nos ofereceu um caderninho com alguns contos feitos por ele (à sua medida, é claro!). Estamos muito orgulhosas dele e sentimos, que de alguma forma, lançamos uma sementinha no seu coração!

Tivemos conversas interessantes com outros meninos sobre diversos assuntos, tais como política, saúde, atitude, futuro, justiça, reflexão sobre as coisas quando assim  se proporcionou (“tias blá blá, mas não em vão!!!”).

Quando manifestávamos a nossa preocupação sobre o papel que desempenharíamos na Casa Esperança, alguém nos disse que a nossa experiência como mães seria uma mais valia. De certa forma, para além de todos os objectivos que nos foram definidos, foi esse o papel  que nos coube e sentimo-lo na relação com alguns dos miúdos da casa… Uma relação de mãe para filho, mas também de filho para mãe: “tudo o que te dou, tu me dás a mim…” foi a canção que ensinámos aos miúdos (sugestão da Paula, que sabe a letra de muitas canções, quando lhe pedimos uma canção para o momento das despedidas).

Não podemos deixar de salientar o papel da ATACA no melhoramento das condições de vida das crianças que não vivem na Casa Esperança, na importância que têm as conversas que se estabelecem com as famílias e que podem ajudar na formação de uma nova mentalidade tão necessária para o desenvolvimento de Moçambique.

Também aprendemos muito com as famílias moçambicanas, sobretudo no que diz respeito ao valor da família. Sempre que uma criança perde os pais, os tios, os avós, enfim, alguém da família, assume essa criança, mesmo que a prole já seja bem grande.

Mas … deixemo-nos de “blá, blá” gratuito e lembremo-nos do último momento, em festa, em que finalmente aprendemos (mal!!!) a dançar marrabenta ao som da música moçambicana tão apreciada por todos… não queríamos lágrimas no momento da partida!

Demos o nosso último abraço a cada menino e… não tivemos outro remédio senão regressar a Portugal … mas sempre com a vontade de voltar a Quelimane.

Até breve!

As sisters

Isménia e Letícia

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