A chegada

O tempo aqui em Quelimane passa de um modo bastante particular, corre lentamente, os dias começam cedo e alongam-se, quase diria arrastam-se. Não dizemos isto de modo negativo, de todo, acho que é aquilo que esperavamos, a calmaria e calor de uma qualquer aldeia alentejana misturada com o caos de uma grande cidade.

Chegadas a Quelimane (quelimar quer dizer cultivar), o maior impacto foi mesmo o do calor. Acredito que tenhamos apanhado um dos dias mais quentes do ano, 40ºgraus e uma humidade inacreditável. Por mais que te aches preparado o efeito é avassalador! Como é que é possivel pensar, fazer seja o que for com este calor?

A cidade é uma cidade tipicamente africana, muita gente, muito trânsito, muitas bicicletas, pessoas, lixo, pó, bancas a vender de tudo em todo lado, barracas pintadas com a publicidade local. Não se pode dizer que seja uma cidade bonita, mas para mim tem uma certa beleza decadente. Parece que parou nos anos 50/60 e nunca mais foi pintado ou arranjado. Quelimane teve os seus primeiros semáforos recentemente, na recta que vem do aeroporto. Ouvimos o motorista do “táxi” a gozar e a dizer “ semáforos para bibicletas??”. A bicicleta é o principal meio de transporte por aqui. A experiência mais incrivel foi andar de táxi bicicleta, que é andar à pendura numa bicicleta, ao que se chama andar de táxi, o que se torna uma grande aventura porque há imenso táxis, carros, movimento de todos os lados mas os taxistas são uns prós. É demais! Descobrimos que a maior parte dos taxistas faz pelo menos 25 km numa estrada de terra batida e passa o rio dos bons sinais todos os dias, pois vêm de inhansunge. Dá para perceber que a vida aqui é dura para alguns.

Os encontros de 3ºgrau com bicharocos são diários, reagimos super bem, acho que foi o que menos nos custou. Ele é ratazanas (já temos um amigo, o Mussas), baratinhas (não em casa neste momento), louva-a-deus, osgas, corvos, morcegos, montes e montes de rãs que passam a noite a cantar, um sapo gigante com ar ameaçador que teima em vir pra nossa casa. Por incrivel que pareça o que mais as nossas colegas receiam é os cães, pois há muitos cães de guarda e são bastante agressivos, pois mal tratados, duas delas foram atacadas já e por isso é estranho passar por cães aqui.

Adoramos conhecer o mercado, parece que se está em Marrocos, tudo é comprado ao “lugar” (que é uma unidade), tem de ser regateado e negociado, o arroz comprado ao copo, nada de coisas embaladas. Apesar de termos gostado de conhecer o sitio, sentimo-nos pela primeira vez um pouco inseguras, por seres branca as pessoas acham que tens dinheiro, ficam a olhar pra ti de cima a baixo, abordam-te a pedir ajuda, ou a tentar vender-te algo mas não têm uma atitude agressiva, pelo contrário.

No inicio da semana tivemos o nosso primeiro contacto a sério com os bairros, de Coalane e 31 de Janeiro. Sair da cidade dá animo, tudo é mais bonito, mais verde, depois das chuvas tudo está alagado o que torna as visitas uma aventura. A Luisa, uma das antigas voluntárias, quer despedir-se das familias, então corremos umas 15 casas de familias, 3 horas sempre a caminhar a um ritmo alucinante. O nosso guia é o Melo que conhece os bairros como a palma da mão. A recepção das mamãs não podia ser melhor, a mamã Angelina recebe nos com um grande sorriso convida-nos a sentar na sua esteira e acreditem que não há nada melhor que uma esteira e uma sombra nesta terra. Mostrou-nos a sua casa, é uma casa já com algumas condições, o que quer dizer aqui que ja tem luz, é maticada, mas nada de janelas ou outros “luxos”. Convidou nos para ir lá almoçar noutro dia e acompanhou nos um pouco ao longo do bairro. Um pormenor interessante, para os africanos nós “brancas” somos todas iguais e por isso é comum chamarem nos o mesmo nome! Ou então brancas ou chinas :p
O bairro era muito limpo, muito mais que a cidade, por todo o lado um cheiro incrivel a terra. Montes e montes de bebés e crianças que correm na tua direção.
As mamãs são muito bonitas, uma beleza que reflecte claramente o interior e que transparece no olhar. O olhar é espelho e forma de comunicar.
Por vezes o sorriso largo contrasta com uma tristeza profunda no olhar, mas na maioria das vezes o que se sente é uma pureza e generosidade nas acções. Nada têm, mas o melhor oferecem. Uma lição aqui do Sul.
Inês, Mariana e Marta
2 Responses to A chegada
  1. Gostei muito de ler o vosso post. Espero que a vossa missão corra muito bem =)!!beijinhos para as três!
    Francisca Castro

  2. Nossas queridíssimas voluntárias!

    Estamos surpreendidas com os amiguinhos que vocês acolhem dentro de casa :). Aparentemente o Mussas, apesar de ser uma ratazana, deve ter um ar simpático, senão vocês já lhe teriam dado uma cacetada e não o batizavam, não é assim?! Quando aí estivemos não tivemos encontros dessa natureza (só osgas…morcegos, só ao longe). Também não nos apercebemos de cães agressivos – ainda bem, pois também teríamos algum receio!

    Quanto ao calor – apesar de vocês não precisarem de perder quilitos – encarem como uma sauna gratuita – vão ficar com uma pele maravilhosa, reluzente!Tão reluzente como os vossos olhos que, por uma fotografia da Marta com o Agostinho que vimos, têm aquele brilho que nos vem da alma!

    As mamãs moçambicanas dão-nos muitas lições de vida… genuínas, generosas, limpas, com um sorriso, apesar de triste! Porque é que por aqui, com tudo "à mão", as pessoas são tão individualistas e tão materialistas?! A verdade é que ultimamente temos dado connosco a comentar "o que vale é que rimos muito, pois ainda não temos que pagar impostos por isso!".

    Provavelmente, quando a crise aperta, agarramo-nos às coisas boas e simples que ainda podemos fazer por não ser necessário ter dinheiro para isso. Como é bom ter uma boa conversa, dar uma boa risada, ouvir música, dançar, apanhar sol,…

    Pena é que a humanidade não consiga ser equilibrada – ter coisas q.b é o melhor: só assim conseguimos soltar gargalhadas genuinas! Bem vistas as coisas, não ter o mínimo para se ter uma vida digna, faz-nos sentir uma grande angustia; ter que zelar por coisas a mais dá-nos uma valente dor de cabeça!!!

    Apesar de já termos uma idade respeitável, não conseguimos perceber, até hoje, porque é que a maioria das pessoas ainda não atingiu esse grau de sabedoria!!!! A importância de vivermos num mundo mais equilibrado e, consequentemente, mais feliz!

    Gostamos muito de vocês!

    Um abraço daqueles mesmo bons para as três, para o Evaristo e o Melo, para as crianças da CE e para a Irmã Idalina das

    Sisters

    A descrição de Quelimane está perfeita – dá para perceber bem o ambiente que se vive!!! Os


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